Por Ana Maria Campos

Promotor de Justiça de Defesa da Saúde do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Jairo Bisol é um defensor do modelo de gestão que o governo Rollemberg deseja implementar no Hospital de Base, com a criação de um instituto que dê mais agilidade para dar soluções às carências da principal unidade de saúde do DF.

Em entrevista publicada neste domingo (11/06) na coluna Eixo Capital, Bisol aponta a medida como uma “solução necessária”. E chama para a responsabilidade os deputados distritais, que discutem a criação do Instituto que vai gerir o Hospital de Base. “A simples rejeição do projeto pode comprometer a imagem da Câmara e dos deputados, pois estariam negando ao governo a possibilidade de gerir a saúde e enfrentar a situação catastrófica em que ela se encontra. Seria prestar um desserviço para a cidade”, afirmou.

Bisol é um grande crítico da gestão da saúde por organizações sociais e foi um entrave ao governo para a implantação do modelo. Mas, no caso do Instituto Hospital de Base, ele apóia a iniciativa da Secretaria de Saúde. “Não há como gerir um hospital do porte e da complexidade do HBDF com este modelo centralizado de gestão”.

A seguir a íntegra da entrevista:

O governo tenta aprovar na Câmara Legislativa a criação do Instituto do Hospital de Base como forma de melhorar a gestão daquela unidade de saúde. É uma boa solução?

Mais do que uma solução compatível com as demandas atuais do hospital, trata-se de uma solução necessária. Não há como gerir um hospital do porte e da complexidade do HBDF com este modelo centralizado de gestão, onde o diretor não tem autonomia sequer para comprar linha de sutura, ou trocar um termômetro quebrado, muito menos para fazer a manutenção de equipamentos de alta complexidade ou contratar médicos intensivistas e anestesistas para colocar em funcionamento estruturas caríssimas como as de um centro cirúrgico, hoje com inúmeras salas desativadas e equipes paradas. A falta de um detalhe, de uma peça da engrenagem, trava o funcionamento de todo um sistema de altíssimo custo. E isso se traduz em grave desperdício de dinheiro público. No modelo centralizado atual o hospital está entrando em colapso diante dos olhos de todos. Deixar como está será uma grande irresponsabilidade. A única saída para o HBDF na situação atual da SES/DF é descentralizar, dar autonomia administrativa e orçamentária ao hospital, com ferramentas de gestão mais ágeis. É o que propõe claramente o projeto.

Quais as principais vantagens e desvantagens?

A grande vantagem é a adoção de um modelo de gestão viável, capaz de reerguer o hospital se bem manejado. A desvantagem é que este modelo depende de aprovação por projeto de lei, a ser votado na Câmara Distrital. Em outras palavras, a solução técnica tem que passar pelo crivo da esfera política. A meu ver, a Câmara Legislativa ou aprova o projeto apresentado pelo governo, ou oferece um substitutivo com uma proposta melhor. Todo mundo sabe que como está não dá para ficar.

E se a Câmara rejeitar?

A simples rejeição do projeto pode comprometer a imagem da Câmara e dos deputados, pois estariam negando ao governo a possibilidade de gerir a saúde e enfrentar a situação catastrófica em que ela se encontra. Seria prestar um desserviço para a cidade. Tal atitude deixaria entrever uma legislatura com apreço por disputas político-partidárias e eleitorais, mas com profundo descompromisso com temas absolutamente sensíveis à população, especialmente aos mais carentes, que é a questão da saúde pública.

Ao adotar esse modelo, a Secretaria de Saúde acerta em começar pelo Hospital de Base ou deveria escolher outra unidade?

Poderia começar por qualquer hospital da rede. Mas, dentre estes hospitais, sem dúvida o que mais necessita – e com urgência máxima – de autonomia administrativa e financeira é o Hospital de Base. É o principal hospital da rede e está entrando a passos largos em situação de colapso. Do ponto de vista das necessidades prementes de ações e serviços de saúde da população, penso que é a escolha mais inteligente e mais comprometida com a saúde pública, levando-se em conta o quadro atual.

O governo compara o modelo que deseja implementar no Hospital de Base ao adotado na Rede Sarah. Acha que a comparação procede?

Há muita confusão nesse ponto. Uma coisa é o modelo de gestão administrativa; outra coisa totalmente diferente é o modelo de atenção à saúde. O que o projeto propõe é o modelo de gestão semelhante ao Sarah, ou seja, com autonomia para comprar medicamentos e insumos, para contratar serviços de manutenção de equipamentos, para contratar médicos, enfermeiros, técnicos, etc. O modelo de atenção à saúde permanece o mesmo, o HBDF continua sendo o hospital terciário da rede, com todo o sistema de referência e contrareferência mantido, com emergência aberta 24 horas, com todas as suas especialidades médicas atuais.

Qual é o caminho para melhorar o atendimento na rede pública de saúde do DF?

É preciso descentralizar e mudar o modelo de gestão. Hoje a SES/DF tem um quadro de quase 35 mil funcionários cuja folha de pagamento consome cerca de 80% do orçamento da saúde, que ultrapassa a casa dos 6 bilhões de reais. Não há empreendimento no mundo que funcione com um quadro desses. E o que é pior: basta ir nos hospitais da rede para constatar grave déficit de pessoal. Faltam médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, farmacêuticos, dentistas, técnicos administrativos. 35 mil funcionários não são suficientes? Onde estão estes funcionários? O absenteísmo é um dos graves problemas da rede pública. Ademais, a política salarial está complemente fora do eixo da normalidade. Há categorias ganhando três a quatro vezes o que o mercado normalmente paga. Ninguém é contra bons salários, mas é preciso se avaliar se estas distorções da política salarial comprometem a capacidade do governo de garantir saúde a população.

A resistência dos sindicatos atrapalha?

É muito grande a resistência dos sindicatos às mudanças propostas pelo Governo. Os sindicatos têm legitimidade para isso, mas é preciso entender que eles defendem interesses corporativos, e não o interesse da população. Vitórias sindicais desproporcionais podem matar a galinha dos ovos. Talvez a cidade tenha que optar entre pagar salários bem acima do mercado ou fazer saúde pública. Há uma ampla auditoria em curso sobre as políticas salarial e de pessoal da SES/DF, para que esta situação seja tecnicamente esclarecida, sem as paixões ideológicas e os interesses corporativos que obscurecem o tema.

Acha que a gestão da saúde por organizações sociais traz prejuízos para a prestação de contas, controle e fiscalização dos gastos públicos?

Sem dúvida. Sou contra o modelo de OSs justamente porque ele potencializa a intervenção desestruturante dos interesses político-eleitorais no complexo e delicado sistema de saúde. Para se fazer saúde pública, é preciso blindar o sistema sanitário do sistema político. Vejam o Hospital de Santa Maria, por exemplo, um hospital de periferia com um dos maiores complexos de leitos de UTI da América Latina. São cerca de 100 leitos. Tal distorção – grotesca do ponto de vista técnico-sanitário – é fruto da intervenção espúria de grupos político-partidários.

O governo aponta uma posição ideológica de integrantes do Ministério Público ao se posicionar contra a gestão da saúde por organizações sociais. Concorda com isso?

Num país onde os escandalosos desvios do orçamento público para financiamento da máquina política, financiamento de candidaturas e de grupos políticos, já não podem ser tratados como exceções, qualquer modelo de gestão que facilite tais desvios de orçamento é potencialmente ofensivo ao interesse público. A posição do Ministério Público não é ideológica: é técnica, típica de um órgão de controle. É impossível fiscalizar os desvios em megacontratos terceirizados de gestão. No entanto, é preciso não se confundir posições técnicas em relação a determinados modelos, de um lado, com a realização prática desses mesmos modelos, de outro. Brasília dispõe de um hospital gerido pelo modelo de OS que funciona com excelência, que descobriu modos próprios de se blindar da política, e que produz ações e serviços de saúde para crianças portadoras de câncer. São serviços de alta qualidade, cem por cento SUS, com índices elevadíssimos de cura. Esta instituição está protegendo nossas crianças do câncer. É uma experiência exitosa, a ser respeitada e protegida naquilo em que alcançou êxito. Outra coisa é vender a ideia de que esta experiência irá se replicar se adotarmos o modelo de OS. Isto seria uma falácia. A gestão parece depender muito do grupo, do time de gestores que a conduzem. Aí está o sucesso do Hospital da Criança, ao meu ver, e não no modelo de OS por ele adotado. De igual modo, implantado o modelo do IHBDF no Hospital de Base, o sucesso da experiência dependerá da qualidade técnica e ética do grupo de gestores que venha a ser escolhido.

Fonte: Correio Brazilienze – CB Poder