Os desafios da saúde são velhos conhecidos de pacientes e governo. Como se não bastasse o desabastecimento da rede, o deficit de 8 mil profissionais e as estruturas sucateadas, a pasta enfrenta a falta de gestão de pessoal. No último ano, o GDF desembolsou R$ 14 milhões com horas extras. Um aumento real de 50% com gastos da folha, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad).

O relatório, fruto do Termo de Cooperação entre as duas esferas do governo, ressalta o “descontrole” no pagamento das gratificações — a maioria sem justificativa. Diante desse cenário, a Secretaria de Saúde começa a cortar o pagamento dessa despesa. Ontem, quem procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante vivenciou uma via-crúcis, porque os enfermeiros não trabalharam além do expediente mínimo.

Segundo o Ministério da Saúde, as horas extras são provocadas pela inexistência de profissionais em áreas como unidades de terapia intensiva, emergências e unidades de pronto atendimento. O deficit da rede é de 8 mil servidores. A receita da secretaria não foi suficiente para custear o pagamento das horas extras de enfermeiros, por exemplo, que não veem o dinheiro cair na conta há dois meses. “A recomendação do sindicato é que não se façam mais horas extras. Os trabalhadores ficam inseguros e ninguém do governo está assumindo a responsabilidade”, critica João Cardoso da Silva, presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem (Sindate-DF).

Sem o gasto mensal, seria possível convocar 2,5 mil servidores e investir R$ 3,6 milhões ao mês em outras áreas, de acordo com o Sindate-DF. “É melhor o governo chamar os convocados do que ficar gastando o que não tem”, diz João Cardoso, ao explicar que as emergências, prontos-socorros e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) serão afetados com o corte das horas extras.

“A gente fica com pena, mas não tem o que fazer. É muito triste ver as pessoas indo para casa sem atendimento. Porém, trabalhamos sem nenhuma estrutura, falta de tudo”, desabafou uma técnica em enfermagem, que pediu para não ser identificada. A partir de 1º de setembro, os auxiliares e técnicos em enfermagem terão a redução da carga horária de 24 para 20 horas semanais e a incorporação da última parcela da Gratificação de Atividade Técnico-administrativa (Gata). Aqueles profissionais que fazem 40 horas terão um acréscimo de 4 horas no salário.

Ontem, em visita ao Hospital Regional do Gama (HRG), o presidente do Sindicato dos Médicos (Sindmédicos-DF), Gutemberg Fialho, criticou a medida. “Desde março, a recomendação do sindicato é que os médicos não façam mais hora extra. Não se tem previsão de receber. Como a secretaria fará para ter médico para atender à população? Há setores que funcionam graças às horas extras.”

A recomendação do governo federal é que a fiscalização seja mais rigorosa, pois há um “número excessivo de horas extras pagas mensalmente com baixo controle”, segundo documento enviado à Secretaria de Saúde. Em resposta, o GDF disse que definirá critérios para o pagamento. O governo pretende revisar as gratificações. Em julho, a secretaria estourou o teto das horas extras.

Reflexos

Quem procurou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante voltou para casa sem ver o médico. Para diminuir o fluxo, duas vans transferiram pacientes para Guará, Riacho Fundo 2 e Candangolândia. Lorivan Barros, 38 anos, levou a enteada para o local. Chegou às 9h, mas às 15h ainda não tinha conseguido atendimento. “É um descaso com a população. Por erros da secretaria (de Saúde) o povo sofre as consequências”, reclamou o gerente de loja.

A professora Rose Lopes, 53, passou pela triagem, mas não tinha sequer certeza de que se encontraria com o médico. “É um absurdo o que acontece aqui. Nunca somos atendidos de forma digna e com respeito”, protesta. Na recepção, a escala apontava que três médicos estavam na unidade, porém apenas dois atendiam. Em nota, a Secretaria de Saúde informou que encaminhou o pedido de suplementação de pagamento das horas extras, mas não divulgou nenhum detalhe.

Sem pediatria

A pediatria da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Sebastião está fechada desde ontem. A Secretaria de Saúde justificou que os profissionais que trabalham no local serão remanejados para outras unidades. Segundo a pasta, 95% dos pacientes podem ser atendidos no centro de saúde. Quem for àquela unidade passará pela triagem e será encaminhado ao centro de saúde ou ao Hospital Regional do Paranoá. Até o fim do ano, 140 pediatras de contratos temporários deixaram a rede pública. Em junho, o GDF convocou 20 concursados, mas apenas cinco demonstraram interesse pela vaga.

Fonte: Correio Braziliense